Futuros jornalistas, empoderem-se
Por Helga Rackel
“De um lado, empresas e jornalistas experientes reclamam de estudantes que não estão preparados para as novas rotinas das redações digitais. Por outro, os alunos querem experiências reais e professores que estejam vivenciando as novas ferramentas de trabalho do mundo online.” E assim começa o artigo de Cristina Dissat para o International Journalists’ Network (IJNet), publicado nesta terça-feira (22). Uma discussão muito necessária, especialmente em tempos pandêmicos, que me inspira a compartilhar esta reflexão.
Desde as redações, passando pela Assessoria de Imprensa e o Empreendedorismo, além da ministração de palestras para acadêmicos e profissionais de outras áreas, percebo o quanto a formação em Jornalismo ainda é fragilizada. O que, na verdade, como o próprio artigo de Dissat cita, trata-se de um problema estrutural na educação brasileira.
Falta de tato no relacionamento com o mercado; conduta incoerente nas redes sociais e redações; escrita e fala pobres são alguns dos entraves na rotina de profissionais tanto da Comunicação quanto de outras áreas. Desculpe-me a sinceridade: é muita gente falando errado e escrevendo pouco hoje em dia, principalmente com a facilidade do celular na palma da mão para dizer o que pensa e sente. As abreviaturas e os rápidos cliques substituem o aprofundamento das leituras e conversas. Vestígios da modernidade líquida, termo usado pelo sociólogo Zygmunt Bauman para definir a atual sociedade.
Uma formação educacional falha que começa nas escolas, tanto pela falta de investimento em recursos humanos quanto financeiros e tecnológicos. Isso aumenta uma bola de neve que esmagará os que conseguirem chegar a uma universidade e, enfim, no mercado. Ainda há o problema da precarização do trabalho, quando muitos veículos de comunicação sobrecarregam os profissionais ou ainda contratam jovens jornalistas sem a supervisão adequada, pois valorizam o menor custo com maior produção.
Perfil dos jornalistas
A pressão e o ritmo constante da apuração de notícias, das pautas que surgem e derrubam outras, dos furos de reportagem que precisam de cobertura multimídia ensinam. Assim como a gestão de crises na assessoria de imprensa e a gestão e liderança de equipes e negócios na Comunicação. Somos forjados na guerra de views, aprendendo a lidar com a pressão e o imediatismo dessa área tão orgânica. Mas há ainda outros meios que afogam a capacidade crítica e o conhecimento dos jornalistas recém-formados.
De acordo com recente pesquisa do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná (SindijorPR) e do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Norte do Paraná (Sindijor Norte PR), a maioria dos participantes afirma que há “sobrecarga de trabalho, seguido de assédio moral e demissões de profissionais com maiores salários para contratação de novos jornalistas, com salários inferiores”. Uma realidade que bem sabemos ser comum em outros estados, inclusive no Ceará.
Segundo a pesquisa “Perfil do Jornalista Brasileiro 2021”, divulgada em novembro do ano passado, a distribuição dos jornalistas por tipo de atividade indica menor presença desses profissionais atuando fora da mídia (35% contra 40% do levantamento anterior). Outro dado é a precarização do trabalho, que avançou significativamente a partir de vários indicadores, como:
- Tipos de contratação: redução do volume de vínculos CLT, 24% dos profissionais passaram a prestar serviços como freelancers, pessoa jurídica, MEI ou sem contrato.
- Jornada de trabalho: o percentual de jornalistas com carga diária superior a 8h permanece alarmante, 42,2%.
Conhecimento é saber
Ontem mesmo, compartilhando um post aqui no LinkedIn, falei que o “conhecimento não é o mesmo que ter informações, é saber o que fazer com elas“. Temos inúmeras informações chegando por meio de vários canais diferentes. Isso também prejudica a concentração e a correta apuração dos fatos, principalmente para quem acabou de chegar no mercado. Ao mesmo tempo, aflige muitos jornalistas experientes sobre como lidar com as novas tecnologias e usar a estratégia adequada para cada mídia.
Muitas vezes editei matérias com problemas de coerência, erros de apuração, concordância gramatical e mal uso da língua portuguesa. E reforço: é dever do editor dar o feedback e o direito de um repórter/ freelancer/ assessor de comunicação ter esse retorno. O diálogo nunca deixará de existir, porque erros podem acontecer pela pressa. Porém, quando ocorrem pela falta de conhecimento, aí cabe ao profissional que escreveu ou gravou se capacitar.
Aprendizado se busca, não se dá
A faculdade dá ferramentas para o aluno se tornar um profissional no futuro. Funcionarão se o aluno buscar e aprender a usá-las. Por isso é importante entender o papel de cada um. Ao professor é dado o dever de se atualizar e ensinar sobre o que realmente acontece lá fora. Ao aluno é dado o dever de buscar novas respostas, ter uma mente crítica e ser coparticipante no estímulo à criatividade em sala de aula. O mesmo se aplica para jornalistas gestores e supervisores, que lidam com equipes e focas.
Porque ensinar e aprender jornalismo vai além de teorias da comunicação e semiótica. É compartilhar experiências e, principalmente, ensaiar vivências em sala de aula. Estudo sem prática vira uma mero decoreba. Trabalho sem liderança é o mesmo que produção alienada. Ainda acrescento o seguinte: faculdades e universidades deveriam agregar disciplinas de empreendedorismo e gestão de negócios na grade curricular do Jornalismo. Porque o exercício da profissão vai muito além de redações e assessorias. A Comunicação Social tem suas multifaces, não é diferente com o Jornalismo.
É preciso empoderar os futuros jornalistas para que conheçam um jornalismo para além das redações.
Quanto mais oportunidades o profissional tiver de atuar em diferentes áreas do jornalismo, no mercado e na academia, mais rico em conhecimento, habilidades e atitudes será. De fato, um jornalista competente.